ALEGRIA:
UMA EMOÇAO QUE CAUSA DOENÇA?
Sempre parece estranho que a alegria esteja listada entre as causas
emocionais que causam doença na medicina chinesa. E ela sempre foi
mencionada, desde os tempos mais antigos. Curiosamente, o ideograma
chines para alegria (xi 喜)
é o único dentre todas as outras emoções que não deriva do
radical “coração”. O ideograma Xi deriva do radical “tambor”
e “boca”, como tocando um tambor e cantando de alegria. Quando
por coincidência dois ideogramas Xi aparecem lado a lado, são
chamados de “alegria em dobro” e também são o ideograma para
casamento.
É
interessante que na lista de emoções que causam desequilíbrios,
alegria vem sempre no topo da lista, seguido de raiva. Por exemplo,
Confúcio lista essas emoções: alegria, raiva, lástima, medo,
paixão, ódio e desejo. Lao Zi, elenca as seguintes: alegria, raiva,
preocupação, tristeza, paixão, ódio e desejo. Notavelmente, as
duas listas incluem “paixão” como uma causa emocional de doença!
Chen Wu Ze (1174) lista: alegria, raiva, ansiedade, preocupação,
tristeza, medo e choque. Essas se tornaram amplamente aceitas como as
“7 emoções” da medicina Chinesa. Zhang jie Bin (1624) numera
oito emoções: alegria, raiva, ansiedade, preocupaçao, tristeza,
pânico, medo e choque emocional.
Obviamente,
um estado normal de alegria não é por si só uma cusa de doenças,
ao contrário, é um estado mental benéfico que promove um
funcionamento suave dos órgãos internos e das faculdades mentais. O
“Simple Questions” no capitulo 39 diz que: “a alegria torna o
coração tranquilo e relaxado, beneficia o ying e o wei qi e faz com
que o Qi relaxe e flua vagarosamente”. Opostamente, no capitulo 2
do mesmo livro: “ o Coração (…) controla a alegria e a alegria
agride o Coração e o medo se opõe a alegria”. Outra passagem do
Nei Jing faz referência explícita a alegria como sendo causa de
doença. No capítulo 5 do Simple Questions tem-se que “a alegria
agride o coração”. No capítulo 8, do Spiritual Axis que “ a
alegria irrita o Coração e o desaloja.”
Fei
Bo Xiong (1800 – 1879) em seu livro Medical
Collection of Four Doctors from the Meng He Tradition
diz que “ a alegria agride o Coração... e faz com que o Yang Qi
suba e os vasos sanguineos se dilatem e abram...”
Eu
acredito que a melhor (e provavelmente) única maneira de entender a
alegria como causa de doença seria pensar como as três principais
filosofias chinesas: Taoísmo, Confucionismo e Budismo. Me parece que
a alegria foi intimamente relacionada com desejo e fixação.
Principalmente pelo Taoísmo e Confucionismo, pois o Budismo não era
tão abrangente na China nesta época (476 a 221 AC).
Essas
três religiões ou melhor, filosofias, por diferentes motivos
promoveram o controle das emoções, principalmente do desejo. Por
exemplo, os Taoistas abominavam relacionamentos sociais e defendiam
“seguir o Tao” e abster-se do desejos (wu yu) e agir pela
não-ação (wu wei). Eles acreditavam que a Alegria atrapalharia as
pessoas a seguir o Tao, tanto quanto as outras emoções, como a
raiva. O importante pensador taoísta Zhuang Zi (370-301 A.C) fala
sobre wu qing (ausencia de sentimentos): “ O que eu quero dizer
quando digo que eles são wu
qing
é que eles não magoam a si mesmos com gostos e desgostos e são por
isso estão sempre atentos ao que é natural, sem forçar mudanças
na vida”,
O
antigo texto Taoista Nei Ye (treinamento interno), mais velho que o
Tao Te King, tem uma passagem interessante sobre emoções:
A
vitalidade das pessoas
Inevitavelmente
vem de uma mente em paz.
Quando
ansioso, voce perde a linha guia
Quando
raivoso, voce perde a lógica,
Quando
voce é ansioso ou triste, feliz ou raivoso
Não
existe espaço para o Tao se acomodar em voce.
Amor
e desejo: eles tiram esse espaço!
Se
voce estiver tranquilo, voce conseguirá ( o Tao)
Se
voce estiver perturbado, voce o perderá.
Ainda,
para os Taoístas, os estimulos tem conotação negativa. Zhuang Zi
diz resumidamente: “ Quando o desejo é profundo, a energia do céu
é superficial”. Isso quer dizer que qualquer tipo de desejo nos
afasta da vitalidade do Céu, pois nos causa emoções que nos tiram
do caminho do Tao.
Os
Confucionistas acreditam que o verdadeiro cavalheiro (uma tradução
errônea do termo jun
zi
que se aplica a homens e mulheres) não é ofuscado por suas emoções,
pois isso mancha seu caráter. Eles usam a imagem de uma fonte com um
fundo lamacento. Se a água estiver turva ela ficará clara, se
mexermos no fundo ela ficará turva novamente. A fonte é a natureza
humana que é naturalmente limpa, mas pode se tornar turva com as
emoções. Considere essa passagem de Xun Zi (filósofo
conficionista, 312 a 230 A.C) “Desde o início coração-mente Xin
é naturalmente pleno e perfeito. Quando sua atividade não está
harmoniosa, certamente a causa é culpa e felicidade, alegria e
raiva, desejo e ganância. Se conseguirmos nos manter afastado dessas
emoções o coração voltará ao seu estado de perfeição.”
Os
budistas consideram o desejo como a raiz do sofrimento humano.
Ganância (o desejo em excesso), ódio e ignorância estão no centro
da Roda da vida e a ganância é estranhamente simbolizada por um
galo. Segundo eles, toda nossa existencia começa com o desejo de uma
mente no estado Bardo (o período depois da morte e antes da próxima
encarnação): a mente deseja o calor do útero e reincarna. Mais
tarde, na vida o desejo faz com que nossa mente deseje possuir coisas
e mais coisas, como um macaco que pula incessantemente de galho em
galho (por isso a Roda da vida budista, dentre muitas imagens, possui
a do macaco numa árvore).
Então,
qual a relevância deste ponto de vista da Alegria, desejo e fixação
para nós, no século XXI? Eu penso que essas emoções ainda são
causa de doença e eu prefiro modernizar essas emoções e chama-las
apenas de superestimulação. Acho que isso seria uma melhor tradução
para Xi
do que apenas alegria. Nossa sociedade nos bombardeia com objetos de
desejo e artificialmente cria desejos por meio da publicidade e,
tambem, fornece e estimula o consumo de substâncias que nos
superstimulam.
Somos
superestimulados pelas diversões, vida frenética, consumismo, café,
chás, tabaco, alcool, Tv, videogames, drogas recreativas, drogas
medicinais e estimulos sexuais.
As
principais drogas estimulantes são: cafeína, nicotina, cocaína,
anfetaminas e, remédios como a Ritalina e outros.
Curiosamente,
antidepressivos não entram na categoria de estimulantes e não levam
as pessoas a sentir alegria. Minha experiencia com pacientes
depressivos me mostrou que essas drogas abafam todas as emoções, de
algum modo elas ajudam na depressão sim, mas tambem diminuem o
estado de alerta e o entusiasmo. Inclusive, alguns antidepressivos
são prescritos para ansiedade com sucesso.
Acredito
que o “abafamento” causado pelos antidepressivos é perceptivel
na pulsologia. Um pulso que parece estagnado e nao tem a “onda”
saudável do pulso normal. Ele nao é em corda, nao é apertado, mas
é descrito como estagnado ou relutante. Enquanto muitos autores
enxergam os antidepressivos como aumentadores de humor e
estimulantes, eu não compartilho deste ponto de vista e o exame de
pulso confirma o que eu penso.
A
superstimulação, conforme descrita acima, torna o coração
dilatado. Devido ao excesso de estímulo que chega nele, que depois
de um tempo irá se manifestar em sinais e sintomas de desequilíbrio
do Coração. Talvez eles não sejam os sinais clássicos. As
manifestações principais podem ser palpitação, frequencia elevada
por pouco estimulo, insonia, sensação de cansaço, excesso de fala
e ponta da língua vermelha. O pulso pode se tornar lento,
ligeiramente forte mas vazio na primeira posição esquerda. Pode até
parecer estranho que a “alegria” ou superestimulação torne o
pulso lento, mas isso se deve ao fato do coração ficar dilatado e
portanto, diminuir a circulação (já o choque emocional faz o
coração ficar pequeno).
Os
pontos que eu utilizo para a superstimulação é o C7 shenmen, PC7
Dailing, VG19 Houding, VC15 Jiuwei.
(junho 2011)
(junho 2011)
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